Veja no YouTube

luteciaesp

terça-feira, 15 de março de 2011

Inconstitucionalidade da Lei Mineira que proíbe uso de celulares em estabelecimentos bancários


Em 11 de janeiro desse ano foi editada, em Minas Gerais, a Lei 19.432 que proíbe o uso de telefone móvel em instituições bancárias e financeiras. A lei prevê multas para a instituição que tolerar a utilização do celular bem como para o cidadão que fizer uso desse aparelho.
O Projeto de Lei foi apresentado pelo deputado Célio Moreira (PSDB), e votado por lobby da Polícia Militar, tem como argumento impedir que criminosos comuniquem de dentro da agência, com bandidos que estão do lado de fora, possíveis vítimas de assaltos ou mesmo de sequestros.
A lei, em todos os aspectos possíveis, é inconstitucional e de absoluta falta de razoabilidade social e proporcionalidade jurídica. No intuito de coibir crimes, impede a população de fazer uso de um direito de primeira dimensão histórico: liberdade de comunicação. Pior: utilizando como justificativa a “segurança pública”, transfere para os bancos – instituições de direito privado – a responsabilidade de fiscalização da lei. Significa que na prática, o cidadão será fiscalizado por vigias e seguranças patrimoniais de uma empresa terceirizada que presta serviço ao banco. Dois equívocos absolutos: a) presume que quem usa celular dentro da instituição bancaria ou financeira é criminoso; b) transfere para a iniciativa privada o direito de tolher direitos e garantias individuais. Significa que direitos fundamentais são ofendidos em um plano horizontal – particular fiscalizando e restringindo direitos de particular.
Do ponto de vista da razoabilidade social a lógica que justifica a lei possibilita conclusões absurdas. É como se todos os motoristas fossem proibidos de dirigirem seus próprios veículos sob o argumento de existirem pessoas que dirigem sem habilitação. Ou se todos os comerciantes fossem proibidos de exercerem atos de mercancia porque alguns não possuem as devidas licenças. A resposta social e política ao patológico não pode ofender desproporcionalmente o normal e regular. A Lei mineira consagra uma tendência a ser revertida: formaliza um Estado Policial que subverte a proposta constitucional ao transformar o Poder Público em opressor do cidadão. A justificativa é sempre um inimigo que precisa ser combatido: o comunista, o terrorista, o bandido.
Se não bastasse, a lei gera outros inconvenientes ignorados pelos legisladores mineiros – e pela Policia Militar de Minas. Por exemplo: 1) como a lei não especifica quem pode e quem não pode usar o aparelho móvel, os próprios funcionários do banco estão proibidos de utilizarem celulares sob pena de serem multados e ainda gerarem multas para seu próprio empregador; 2) a lei também não especifica quem lavrará a multa. Apenas diz que é do banco a responsabilidade de fiscalização. Como exercício do poder de polícia não pode ser privatizado ou terceirizado – atividade de restrição de direito e fiscalização só pode ser exercido pelo próprio Estado ou seus delegados – não é de se esperar que o próprio banco faça a multa que ele mesmo terá que pagar; 3) caso o cidadão precise resolver um problema por telefone, terá duas saídas: utilizar o telefone do próprio banco ou sair da agência. No primeiro caso, se o banco emprestar o telefone para um cidadão terá que fazer para todos, sob pena de discriminação. Na segunda hipótese, sair da agência, corre-se o risco de, ao tentar voltar, o banco já estar fechado.
Propomos duas saídas. A propositura de uma ação declaratória de inconstitucionalidade com pedido liminar seria uma saída forma e bem vinda. Mas há outra: na lei há um dispositivo que permite ao cidadão, em caso de emergência ou necessidade, utilizar o aparelho móvel mediante comunicação ao gerente do estabelecimento. Pois bem. Não há definição do que é emergente nem necessário e nem se estipula autoridade competente para tanto. Portanto, basta que o cidadão faça a ligação sob a alegação de que o assunto enquadra-se em uma dessas condições que nada poderá ser feito. Outrossim, contra um Estado opressor, a desobediência civil é sempre uma opção da sociedade afrontada.
Anderson Rosa Vaz, Doutor em Direito pela PUC-SP, Professor na Universidade Federal de Uberlandia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário